segunda-feira, 30 de novembro de 2009

o rock no corpo!

Além de conquistar a mente dos adolescentes, o rock tem um impacto corporal que também ajuda a entender o seu sucesso. Segundo o professor Bruce Baugh, do Departamento de Filosofia da University College of Cariboo (Canadá), a performance, a altura e o ritmo são três elementos da sonoridade do rock que são responsáveis por produzirem sensações no corpo dos ouvintes que agradam, e muito, aos seus admiradores. A primeira evidência disso está no ritmo. A batida original do rock instiga o corpo a dançar. Nesse sentido, a performance do músico é essencial para que se tenha um rock com bom suingue. Não basta saber tocar nas marcações corretas do tempo, é preciso ter a sensibilidade para saber fazer a batida ou no tempo ou um pouco à frente ou um pouco atrás. O fato de ser dançante não é o único que importa no impacto corporal do rock, até porque uma boa parte das canções do gênero não é para dançar. O impacto vem também a partir dos sentimentos expressos principalmente pela voz e pelas guitarras, que por conta das intensidades atingem diretamente o corpo do ouvinte. Intensidade que está relacionada também com a altura com que a canção é tocada. O forte volume da música contribui para que o ouvinte sinta a canção vibrando no corpo. Assim, performance, ritmo e altura são os elementos sonoros que fazem com que o rock conquiste seus admiradores também fisicamente.

rock na adolecencia

O rock e a adolescência são fenômenos culturais que surgiram e caminharam juntos a partir da segunda metade do século 20. Os dois foram responsáveis por mudar a cara do mundo e colocar os jovens como protagonistas de vários movimentos artísticos e sociais. Graças a essa dupla, o mundo assistiu nas últimas décadas a manifestações históricas, como a marcha contra a guerra do Vietnã, nas ruas de Washington (EUA), em 1969, e os concertos simultâneos do Live 8, em 2005, para combater a pobreza na África.

Nesse caminho, o rock tornou-se o mais bem sucedido gênero da música popular. Não bastasse isso, estabeleceu-se como uma manifestação estética e comportamental para expressar arebeldia, o erotismo e o inconformismo que caracterizam a juventude a partir do final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O sucesso do rock mostrou também a capacidade da indústria cultural de transformar contestação em lucro. Mesmo com um passado subversivo, condenado por ser profano e com uma alma rebelde, o rock tornou-se um grande negócio para a indústria fonográfica, a cinematográfica e a da moda.

rock no século XXI


Eles se arrumam para prestigiar um grande evento de música de sua geração. Colocam o melhor da indumentária têxtil contemporânea, partilham e dividem seu apreço pela arte em turmas organizadas e fechadas, gastam o preço que for para poder assistir de perto seus ídolos representando os grandes sucessos que marcariam época. Nesse espetáculo, cada artista representa seu papel bem definido num palco que envolve elementos de cenografia, flerta com a encenação teatral e obviamente tem na música seu coração pulsante.

A descrição acima se aplica tanto a adultos parisienses do século XIX indo as Casas de Ópera quanto aos jovens brasileiros contemporâneos que assistem aos cada vez mais freqüentes festivais internacionais de rock no Brasil.

A noção aqui reforçada é a de que ainda que passemos por drásticas mudanças históricas, o consumo cultural se mantém essencialmente o mesmo, o que nos permite ousar criando um paralelo no qual a ópera parecia representar para a sociedade moderna o que o “rock indie” representa para a sociedade contemporânea: um espetáculo musical, destinado a poucos, tanto financeiramente quanto, cada vez mais, “intelectualmente”.

O que assistimos hoje no cenário musical hegemônico no mundo das publicações e dos palcos é um “novo rock” que fugiu de suas origens humildes e contestadoras, aquelas que remetem ao hoje lendário rock americano, originado nos guetos negros e nos grupos populares menos abastados do sul dos Estados Unidos. Possuidor de um caráter de revolução comportamental, de luta contra o stablishment, esse rock primário, mesmo nos níveis de inconsciência, possuía uma função plenamente política.

O rock alternativo ou independente, que tomou nesse início de século o lugar do rock mainstream nas páginas de jornais, nos fanzines de cultura e conversas em faculdade, parece hoje assumir uma forma cada vez mais plástica (remetendo a antigas correntes literárias que preconizavam a arte-pela-arte) e consequentemente mais elitizada, distanciando-se a passos largos de seu propósito original: ser a música que insurgia as massas (diferente de “música das massas”, comumente associado a música de baixa qualidade por ter maior apelo popular, também um equívoco, mas outra questão).

O processo dessa inversão de valores começou logo após a apropriação do rock pela elite branca americana, época em que os grandes músicos herdeiros de um blues visceral foram substituídos por heróis da classe média que ascendiam ao estrelato assumindo um patamar de semi-deuses culturais. O englobamento do rock pelo Capital logo mudou a imagem de seus ícones retirando-os de cenários rústicos e elevando-os aos megashows que varreram o mundo na última metade do século XX. A evolução desse grande produto cultural suplantou (o que é diferente de “substituiu”) as diversas artes consideradas de elite tomando seu lugar de direito no coração das massas enquanto empurrava para fora dos holofotes aquilo que um dia foi considerado mais nobre. Durante sua ascensão, a mensagem de contestação e de rebeldia permaneceu uma constante incontrolável, mesmo diante da massificação e das tentativas de controle da indústria cultural.

Entretanto, num movimento de retomada silenciosa, esse mesmo rock passou por transformações no final dos anos 90 e início do novo milênio que alteraram marcadamente seu papel, transmutando-o quase que num substituto dos já mencionados produtos culturais decadentes da elite dos séculos passados. A ascensão do rock independente, que preza pelo experimentalismo, por uma elaborada construção musical e pela aceitação de “poucos”, transformou o mundo como nunca antes.

O contexto atual, plena era da reprodutibilidade, forçou uma parcela roqueira a se elitizar tendo total apoio dos cadernos de cultura que hoje (no Brasil) são quase que inteiramente dedicados ao rock “alternativo” garantindo-lhes seu status cult. A juventude (uma categoria inventada no século XX) passou a assumir o papel de grandes espectadores culturais. O rock direcionou-se para não tanto para a adolescência, mas para a pós-adolescencia, fase caracterizada pelo início da aquisição material e estabelecimento da identidade adulta..

Com a popularização da internet um fenômeno inversamente proporcional tomou conta das redes sociais eliminando o gosto da massa e substituindo por gostos específicos que assumem um valor hierárquico dentro de círculos fechados e cada vez mais elitistas. Ir a certos shows e gostar de certas bandas (que ocasionalmente recebem menções ultra-positivas nos cadernos culturais, colunas de música e blogs especializados) é um sinal intrínseco da aceitação social através do chamado “bom gosto musical” (fato que parece ser distante do senso comum, quase como se a noção de “bom gosto” viesse “de fora para dentro”, não somos mais nós que decidimos o que é bom, a noção de técnica, virtuose e qualidade de uma banda está muito mais no que “se é dito sobre ela” do que de fato no seu apelo musical e, por que não, emocional).

Paralelo a corrente da indústria cultural, o rock independente parece aproveitar bem os nichos em que se difunde alimentando-se com shows e festivais enquanto legitimam inconscientemente seu público como dotado desse gosto fundamentado pelas mídias de massa como “superior”.

A conseqüência mais marcante desse processo é que passamos a viver numa era esvaziamento do poder político do rock. Não que a política signifique a adesão do rock a grandes causas humanitárias (algo que os megashows já tomaram como essencial), a política aqui mencionada se refere a noção mais básica de “contestação social”, lembrando as músicas dos primeiros roqueiros americanos que apelam para uma nova ordem comportamental, pregando a liberdade sexual e de identidade. A verdade é que não se sabe o que se prega hoje. Pode se considerar que estamos entre o niilismo e a alienação.

Prosseguindo no caminho da Ópera estaria o Indie Rock fadado a círculos cada vez mais fechados até desaparecer completamente como prática cultural elevada a apreciação de poucos? Estaríamos agora numa fase de bolha que nos dá a ilusão de plena aceitação desse novo tipo de rock, mas que em breve estourará?

Falta ao novo rock independente um propósito maior do que somente a fama pela chamada excelência, falta a noção de significado em sua música, que hoje carece de provocação social. Enquanto os rumos da música se afastarem dos rumos da contestação e do debate, tudo o que esse rock indie conseguirá é se consagrar como a nova Ópera do século XXI, algo para poucos, destinado a acabar.